10 de julho de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (19)

«Por um momento, pondera não estar diante do monitor tantas horas como as habituais, e não exactamente pelo que Celia disse, embora isso também tenha muito influência, mas porque, por outro lado, há já algum tempo que diz que deveria dar uma longa oportunidade à vida, colocar-se desafios vitais distanciados da sua obsessiva tendência dos últimos tempos em permanecer imóvel em frente do monitor. Mas, logo a seguir, muda de opinião. Com os seus quase sessenta anos não consegue ter ideias para desafios vitais. Assim, decide finalmente mergulhar de novo, mais um dia, na Internet e no motor de busca do Google, onde nunca evita de dar rédea solta a um certo narcisismo e acaba por escrever primeiro o seu nome e, a seguir, o da editora. Sabe que, à parte de egocêntrico, tudo isso é claramente maníaco. Mas, mesmo assim, não quer renunciar a esse costume quotidiano. A carne é fraca.
De facto, essa atitude maníaca serve-lhe para aplacar a sua nostalgia de quando ia ao escritório e com Gauger, o seu secretário, passavam em revista tudo o que a imprensa dizia sobre os livros que publicavam. Sabe que, como substituta daquela actividade de despacho, a sua mania de agora é quase grotesca, mas, a ele, parece-lhe necessária para a sua saúde mental. Entra em muitos blogues para se informar sobre o que eles dizem dos livros que publicou. E se encontra alguém que diz algo minimamente incómodo, faz um comentário anónimo chamando ignorante ou imbecil a quem escreveu aquilo.»
[Enrique Vila-Matas, Dublinesca; em tradução para a Teorema]

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