5 de julho de 2010

Nem sempre a lápis (51)

Saio do universo estranho de Felisberto Hernández, baço e dessincronizado como o cinema mudo, para me começar a integrar no ambiente familiar do editor Ribas, personagem central de Dublinesca e meu futuro interlocutor nos próximos tempos. Saio de uma direcção de actores, notáveis, que escapa ao cânone cinematográfico; actuam por conta própria, distanciam o realizador para o papel secundário de espectador do enredo de uma recordação. Tanto no regresso a casa de Ribas, editor retirado e convicto de que encerra uma espécie em vias de extinção, a do editor culto e literário, como logo em casa dos pais, no regresso de uma viagem a Lyon que não lhes chega a contar e onde não saiu do quarto de um hotel, ocupado a «redigir uma teoria geral do romance», paira um ambiente de «insustentável leveza familiar». Já apareceu Joyce, Dublinesca é a inesperada tomada de decisão, durante a conversa de surdos em casa dos pais, de Ribas ir a Dublin no dia 16 de Junho, precisamente a data em que os pais fazem 61 anos de casados; já apareceram Gracq, Magris, Walser, Perec, o Google e Gutenberg, Artaud e o bastão de Saint Patrick, mas também Catherine Deneuve, Monica Vitti e Antonioni, hikikomoris e Cronenberg. O discurso é curto, mais incisivo, mais, se possível, arguto, não deixando de ser curioso que o último romance de Vila-Matas coincida com a mudança de editor, para nos falar do mal-estar e da soberba capacidade de autismo, de um que se debate com o mal do autor. «Há casos extremos, embora Riba nunca se tenha encontrado entre estes. São os daqueles editores – os que têm mais agudizado o mal do autor – que prefeririam publicar livros que não tivessem sido escritos por ninguém, pois assim evitariam o zumbido e veriam, por alto, como a glória do que editaram seria só para eles.»

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