14 de julho de 2011

«É bom trabalhar nas Obras» (93)

«Na quinta-feira à tarde, Adrián Bettini recebeu uma carta. Não era o carteiro do bairro quem lha trazia, mas dois jovens funcionários com crachás da polícia debaixo da lapela, que tocaram levemente à campainha e sorriram à empregada quando lhe pediram para entregarem a carta pessoalmente ao dono da casa. O jovem Nico Santos, convidado na ocasião para tomar chá, viu a cena da sala de jantar, e a seguir deteve-se no olhar que Patricia Bettini lhe dirigiu quando o pai dela, com passo informal e resignado, avançou para a porta vestido com um desbotado casaco de lã.
Depois de assinar e anotar o número do seu bilhete de identidade no caderno que os despreocupados polícias lhe estenderam, para que assinasse a recepção do documento, rasgou o sobrescrito e ficou ao corrente do conteúdo.
Como se adivinhasse que a filha e Nico lhe iriam perguntar qual o assunto da missiva, antecipou-se-lhes e disse que era uma citação do ministro do Interior para comparecer amanhã, às dez, no edifício da sede do governo do general Pinochet.
Patricia Bettini não pôde evitar um sobressalto. O pai tinha estado duas vezes na cadeia e, uma vez, gorilas não identificados tinham-no raptado e agredido até o deixarem inconsciente.
O homem pediu à mulher, Magdalena, para se juntar a eles à mesa do chá e depois de mexer demoradamente a colher na chávena, confessou que hesitava entre apresentar-se no dia seguinte ao encontro com o ditador ou fazer agora mesmo uma mala com alguma roupa e esconder-se durante uns dias em casas de amigos.
Patricia recomendou-lhe que se escondesse.
A mulher recomendou-lhe que comparecesse ao encontro. Era melhor enfrentar as coisas do que passar a vida escondido.
Nico Santos pôs um bocado de goiaba na torrada e espalhou-a com a faca pela superfície. Era tal o silêncio que esse ínfimo movimento sobre o pão pareceu estridente.»

[Antonio Skármeta, Os dias do arco-íris; em tradução para a Teodolito;
crachá]