6 de julho de 2011

Papiro do dia (96)

«E é recorrendo directo a Cadornega, com desfastio e tempo e Luanda a festejar a quadra festiva, comendo e bebendo e alheia a tudo o resto, que aqui me ocorre antes de apontar ao sul para visitar pastores, tentar acrescentar ao percurso que dentro do Brasil me pôs a matutar em holandeses, uma noção do que com eles estaria então a passar-se em Luanda ao mesmo tempo que em Pernambuco ganhava dimensão a insurgência que Fernandes Vieira e Vidal de Negreiros mobilizavam, figuras destinadas a vir também, mais tarde, orquestrar cenas complexas da vida angolana. Decido pois, deliberado e disponível, dar-me enfim desta vez ao adiado gosto de entregar-me a uma leitura serena e deleitosa, prazerosa, de Cardona e de extrair daí, assim e até, a graça do artifício que a coisa possa ter. É que animado da intenção de ir ver no seu tomo primeiro o que é que diz lá desta baixa da Maianga que estou de casa a olhar, encontro aí entaladas, e comodamente esquecidas, notas minhas, papéis soltos, de ideias muito antigas para filmes que um dia, lá bem para trás, cheguei a pensar fazer estritamente apoiado em Cadornega, pela mui simples e pragmática razão de que sendo tanta a bibliografia a desbaratar caso quisesse informar-me, a contento, sobre a personagem principal de um desses filmes que então me apeteceu fazer – nada menos que a famosa rainha Jinga, dona Ana de Sousa, aliás, quando ainda bem jovem veio a Luanda na qualidade de embaixadora de seu irmão, Ngola Mbandi, então a reinar do Ndongo, e aqui baptizada – o melhor mesmo era ater-me, para esboçar algum roteiro, tão-só ao que Cadornega relatava a tal respeito, e tanto bastaria, embora soubesse que de qualquer maneira, a meter-me nisso, também não me iria sentir à vontade sem acabar por vir a ler, afinal, tudo o resto. Da mesma forma que agora. E tem ainda outras razões para tentar ater-me, também, só ao que for que Cadornega diga.»

[Ruy Duarte de Carvalho, Desmedida crónicas do Brasil, BI. 033, Fevereiro 2008;
rainha Jinga]

3 comentários:

Táxi Pluvioso disse...

O pior foi a primeira missa no Brasil, as indígenas nuas, iam atirando com os nossos marinheiros para o inferno.

Bípede Falante disse...

Sou mesmo uma grande matumba! Nem conhecia essa antropólogo. Tive de ir ao google para saber melhor de quem você está a falar.
Lendo e aprendendo! :)

fallorca disse...

Microndas,
foi a salvação dos marujos ;)

Lelena,
tinha o nome de Ruy Duarte de Carvalho linkado. Se verificar/procurar, tem livros editados no Brasil. Aliás, este livro é uma «desmedida» viagem entre Angola e o Brasil.
Uma escrita «tribal», «nómada», bem documentada e que nos leva pela mão :)