4 de julho de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (17)

«Desde há dias, que Riba se interessa por tudo o que gire à volta do tema dos hikikomori, que são autistas informáticos, jovens japoneses que, para evitar a pressão exterior, reagem com um completo retraimento social. De facto, a palavra japonesa hikikomori significa isolamento. Fecham-se num quarto da casa dos pais durante períodos de tempo prolongados, geralmente anos. Sentem-se tristes e quase não têm amigos, e a grande maioria dorme ou deita-se ao longo do dia, e vê televisão ou concentra-se no computador durante a noite. Riba interessa-se muito pelo tema, porque desde que deixou a editora e o álcool, está a fechar-se em si mesmo e a converter-se, com efeito, num misantropo japonês, num hikikomori. - Vou a Dublin a um funeral pela era da imprensa, pela era dourada de Gutenberg – diz a Celia. Não sabe como foi, mas saiu-lhe de dentro. Ela olha-o com se quisesse atravessá-lo com os olhos. Silêncio. Inquietação. Rectifica antes que ela se ponha a gritar. - A ver se entendes. O funeral, sempre demorado, da literatura como arte em perigo. Embora a pergunta devesse ser: qual perigo? Ele mesmo nota que se meteu numa embrulhada. - Compreender-te-ia muito bem – prossegue – se me perguntasses que perigo. Porque, de facto, o que mais me interessa desse perigo é a conotação literária que tem.»
[Enrique Vila-Matas, Dublinesca; em tradução para a Teorema]

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