9 de julho de 2010

À mão de ler (52)

«Em Samoa, a nudez das mulheres, que tanto incomodava os missionários, nunca era feia. À noite, quando a gente da aldeia descia à praia para se banhar e ficava a chapinhar nas ondas com as crianças, os cabelos negros, fartos e emaranhados das mulheres abriam-se como anémonas na água, e os hibiscos que elas usavam atrás das orelhas flutuavam em torno dos seus corpos, como ilhas ígneas. Stevenson adorava ficar a vê-las do molhe, contemplando-lhes a pele escura, brilhante e dura como pedra vulcânica.
Ali, em Samoa, tudo o que outrora fora oculto, sussurrado, abotoado no mundo protegido da sua infância era escancarado - descarado, às claras - e, de início, aquilo havia sido de mais para os seus sentidos, sufocava-o, tal como perturbara Fanny, deixando-a impaciente e zangada. Porém eles haviam ficado e, com o passar dos anos, aquele mundo aberrante passou a encantá-los, e acabaram por se acostumar com a falta de reserva. E embora em casa, em Vailima, conservassem o decoro que convém a um cavalheiro escocês e respectiva esposa americana e família (dois enteados crescidos, a mãe idosa de Stevenson), agora rejubilavam-se com a explosão de cores e sons lá fora, ao ver um mundo que parecia estar a abrir-se constantemente, como uma flor de perfume intenso.»
[Alberto Manguel, Stevenson Sob As Palmeiras; trad. Paulo Henriques Britto, ASA, Junho 2003;
foto: Robert Louis Stevenson in bed; autor que não foi possível identificar.]

Sem comentários: